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SONETOS.
LXX.

Na metade do ceo subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavão
O verde pasto as cabras, e buscavão
A frescura suave da agua fria.

Com a folha das árvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavão:
O módulo cantar, de que cessavão,
Só nas roucas cigarras se sentia.

Quando Liso pastor n'hum campo verde
Natercia, crua Nympha, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.

Porque te vás de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.



LXXI.

Ja a roxa e branca Aurora destoucava
Os seus cabellos de ouro delicados,
E das flores os campos esmaltados
Com crystallino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
De Sylvio e de Laurente por os prados;
Pastores ambos, e ambos apartados,
De quem o mesmo amor não se apartava.

Com verdadeiras lagrimas Laurente,
Não sei, (dizia) ó Nympha delicada,
Porque não morre ja quem vive ausente;

Pois a vida sem ti não presta nada.
Responde Sylvio: Amor não o consente:
Que offende as esperanças da tornada.