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SONETOS.


XCIV.

Se tomo a minha pena em penitencia
Do error em que cahio o pensamento,
Não abrando, mas dóbro meu tormento,
Que a tanto, e mais, obriga a paciencia.

E se huma côr de morto na apparencia,
Hum espalhar suspiros vãos ao vento
Não faz em vós, Senhora, movimento,
Fique o meu mal em vossa consciencia.

Mas se de qualquer aspera mudança
Toda vontade isenta Amor castiga,
(Como eu vejo no mal que me condena)

E se em vós não se entende haver vingança,
Será forçado (pois Amor me obriga)
Que eu só da culpa vossa pague a pena.



XCV.

Aquella que, de pura castidade,
De si mesma tomou cruel vingança
Por huma breve e subita mudança
Contrária á sua honra e qualidade;

Venceo á formosura a honestidade,
Venceo no fim da vida a esperança,
Porque ficasse viva tal lembrança,
Tal amor, tanta fé, tanta verdade.

De si, da gente e do mundo esquecida,
Ferio com duro ferro o brando peito,
Banhando em sangue a fôrça do tyrano.

Oh ousadia estranha! estranho feito!
Que dando breve morte ao corpo humano,
Tenha sua memoria larga vida!