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SONETOS.
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CXII.

Que doudo pensamento he o que sigo?
Apos que vão cuidado vou correndo?
Sem ventura de mi! que não me entendo;
Nem o que callo sei, nem o que digo.

Pelejo com quem trata paz comigo;
De quem guerra me faz não me defendo.
De falsas esperanças que pertendo?
Quem do meu proprio mal me faz amigo?

Porque, se nasci livre, me captivo?
E pois o quero ser, porque o não quero?
Como me engano mais com desenganos?

Se ja desesperei, que mais espero?
E se inda espero mais, porque não vivo?
E se vivo, que accuso mortaes danos?



CXIII.

Hum firme coração posto em ventura;
Hum desejar honesto, que se engeite
De vossa condição, sem que respeite
A meu tão puro amor, a fé tão pura;

Hum ver-vos de piedade e de brandura
Sempre inimiga, faz-me que suspeite
Se alguma Hyrcana fera vos deo leite,
Ou se nascestes de huma pedra dura.

Ando buscando causa, que desculpe
Crueza tão estranha; porém quanto
Nisso trabalho mais, mais mal me trata.

Donde vem, que não ha quem nos não culpe;
A vós, porque matais quem vos quer tanto,
A mim, por querer tanto a quem me mata.