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SONETOS.


CXXX.

He o gozado bem em água escrito;
Vive no desejar, morre no effeito:
O desejado sempre he mais perfeito,
Porque tẽe parte alguma de infinito.

Dar a huma alma immortal gôzo prescrito,
Em verdadeiro amor, fôra defeito:
Por modo sup'rior, não imperfeito,
Sois excepção de quanto aqui limito.

De huma esperança nunca conhecida,
Da fé do desejar não alcançada,
Sereis mais desejada, possuida.

Não podeis da esperança ser amada;
Vista podereis ser, e então mais crida;
Porém não, sem aggravo, comparada.



CXXXI.

De quantas graças tinha a natureza
Fez hum bello e riquissimo thesouro;
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angelica belleza.

Poz na boca os rubis, e na pureza
Do bello rosto as rosas, por quem mouro;
No cabello o valor do metal louro;
No peito a neve, em que a alma tenho accesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez delles hum sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.

Em fim, Senhora, em vossa compostura,
Ella a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.