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SONETOS.


CLXXVIII.

Ja cantei, ja chorei a dura guerra
Por Amor sustentada longos anos;
Vezes mil me vedou dizer seus danos,
Por não ver quem o segue o muito que erra.

Nymphas, por quem Castalia se abre e cerra;
Vós que fazeis á morte mil enganos,
Concedei-me ja alentos soberanos
Para que diga o mal que Amor encerra:

Para que aquelle, que o seguir ardente,
Veja em meus puros versos hum exemplo
De quanto em glorias promettidas mente.

Qu'inda qu'em triste estado me contemplo,
Se neste assumpto me inspirais, contente
Darei a minha lyra ao vosso templo.



CLXXIX.

Os meus alegres, venturosos dias
Passárão, como raio, brevemente;
Movem-se os tristes mais pezadamente
Apos das fugitivas alegrias.

Ah falsas pretenções! vãas phantasias!
Que me podeis ja dar que me contente?
Ja de meu triste peito a chamma ardente
O tempo reduzio a cinzas frias.

Nellas revolvo agora erros passados;
Que outro fructo não deo a mocidade,
A quem vergonha e dor minha alma deve

Revolvo mais de toda a mais idade,
Desejos vãos, vãos choros, vãos cuidados,
Para que leve tudo o tempo leve.