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SONETOS.


CCXXXVIII.

Sôbre os rios do Reino escuro, quando
Tristes, quaes nossas culpas o ordenárão,
Lagrimas nossos olhos derramárão,
Por ti, Sião divina, suspirando,

Os que hião nossas almas infestando,
De contino em error, as captivárão;
E em vão por nossos Psalmos perguntárão;
Que tudo era silencio miserando.

Dizendo estamos: Como cantaremos
As acceitas canções a Deos benino,
Quando a contrarios seus obedecemos?

Mas ja, Senhor só Santo, determino,
Deixando viciosissimos extremos,
Os cantos proseguir de Amor Divino.



CCXXXIX.

Em Babylonia sôbre os rios, quando
De ti, Sião sagrada, nos lembrámos,
Alli com grã saudade nos sentámos,
O bem perdido, miseros, chorando.

Os instrumentos musicos deixando,
Nos estranhos salgueiros pendurámos,
Quando aos cantares, que ja em ti cantámos,
Nos estavão imigos incitando.

Ás esquadras dizemos inimigas:
Como hemos de cantar em terra alhea
As cantigas de Deos, sacras cantigas?

Se a lembrança eu perder que me recrea
Cá nestas penosissimas fadigas,
Oblivioni detur dextra mea.