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CCLXXII.
Quando, Senhora, quiz Amor qu'amasse
Essa grã perfeição e gentileza,
Logo deo por sentença, que a crueza
Em vosso peito amor accrescentasse.
  Determinou, que nada me apartasse,
Nem desfavor cruel, nem aspereza;
Mas qu'em minha rarissima firmeza
Vossa isenção cruel se executasse.
  E, pois tendes aqui offerecida
Est'alma vossa a vosso sacrificio,
Acabai de fartar vossa vontade.
  Não lhe alargueis, Senhora, mais a vida;
Acabará morrendo em seu officio,
Sua fé defendendo e lealdade.
CCLXXIII.
Eu vivia de lagrimas isento,
N'hum engano tão doce e deleitoso,
Qu'em qu'outro amante fosse mais ditoso
Não valião mil glorias hum tormento.
  Vendo-me possuir tal pensamento,
De nenhuma riqueza era invejoso;
Vivia bem, de nada receoso,
Com doce amor e doce sentimento.
  Cobiçosa a Fortuna, me tirou
Deste meu tão contente e alegre estado;
E passou-se este bem, que nunca fôra:
  Em trôco do qual bem só me deixou
Lembranças, que me mátão cada hora,
Trazendo-me á memoria o bem