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meu, que vendo o doce riso,
E o rosto tão formoso, como esquivo,
O menos que perdi foi todo o siso.
  E não entendo, desque sou captivo,
Outra cousa de mi, senão que mouro:
Nem isto entendo bem, pois inda vivo.
  Á sombra deste umbroso e verde louro
Passo a vida, ora em lagrimas cansadas,
Ora em louvores dos cabellos d'ouro.
  Se perguntares porque são choradas,
Ou porque tanta pena me consume,
Revolvendo memorias magoadas;
  Desque perdi da vida o claro lume,
E perdi a esperança e causa della,
Não chóro por razão, mas por costume.
  Jamais pude co'o fado ter cautella;
Nem houve nunca em mi contentamento,
Que não fosse trocado em dura estrella.
  Que bem livre vivia e bem isento,
Sem qu'ao jugo me visse submettido
De nenhum amoroso pensamento!
  Lembra-me, amigo Agrario, que o sentido
Tão fóra d'amor tinha, que me ria
De quem por elle via andar perdido.
  De várias côres sempre me vestia;
De boninas a fronte coroava;
Nenhum pastor cantando me vencia.
  A barba então nas faces me apontava;
Na luta, na carreira, em qualquer manha,
Sempre a palma entre todos alcançava.{