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O pensamento honesto e repousado,
Ja dedicado ao côro de Diana;
Vós n'huma ufana vida me puzestes,
E alli quizestes que gozasse o dano
Do doce engano, que se chama amor,
Com cujo error passava o tempo ledo:
E vós tão cedo me tirais hum bem,
Que Amor ja tem impresso n'alma minha,
Despois qu'a tinha envolta em esperanças;
E com lembranças tristes me deixais?
Mal me pagais a fé que sempre tive.
Mas assi vive quem sem dita nace.
Mas ja a face alegre o sol esconde;
E não responde alguem a tantas mágoas,
Senão as ágoas, que dos olhos sahem.
As sombras cahem; vão-se as alimarias,
Fartas das várias hervas, seu caminho;
Buscão seu ninho os passaros sem dono:
Ja por o sono esquecem o comer.
Quero esquecer tambem tão doce historia,
Pois he memoria que traz mor cuidado.
Isto he passado; e se me deo paixão,
Os dias vão gastando o mal e o bem;
E não convém querer-me magoar
Do qu'emendar não posso ja com mágoas.
Nas claras ágoas deste rio brando,
Que vão regando o valle matizado,
Este trançado lavar quero emfim;
Que ja de mim m'esqueço co'a lembrança
Desta mudança, qu'esquecer não sei:
Bem qu'eu verei mudar a opinião,{184}