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  E lá por a odorifera Sabêa
Não vêdes que de lagrimas daquella,
Que com seu pae se junta e se recrêa,
Arabia s'enriquece, e vive della?
Lembrai-vos da verde árvore Penêa,
Que foi ja n'outro tempo Nympha bella,
E Cyparisso angelico mancebo;
Ambos verdes com lagrimas de Phebo.
  De Phrygia vêde o moço delicado
No mais alto arvoredo convertido,
Que tantas vezes fere o vento irado;
Galardão de seus erros merecido:
Pois, da alta Berecynthia sendo amado,
Por huma Nympha baixa foi perdido;
E a deosa, a quem perdeo do pensamento,
Quiz que tambem perdesse o entendimento.
  O subito furor lhe figurava
Que as árvores e os montes se cahião;
Ja dos pudicos membros se privava,
Que os horrores a tanto o constrangião;
Ja indignado no monte se lançava:
De sua morte as feras se doião.
Dest'arte perdeo Atys na espessura,
Despois de tantas perdas, a figura.
  Lembre-vos quando as gentes celebravão
Em Grecia as grandes festas de Liêo,
Onde as formosas Nymphas se juntavão,
E os sacros moradores do Licêo.
Todos em doce somno se occupavão
Por o monte, despois que anoiteceo;{235}