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  Toda a noite pescárão, e primeiro
Querem dormir a sesta nesta praia,
Que o barco polo mar levem ligeiro.
  Eu, vigiando aqui como atalaia,
Te chamarei, até que de cansado
Hum dia desta rocha abaixo caia,
  Deixando este lugar tão infamado
Com minha morte, que dos marinheiros
Com o dedo de lá será mostrado.
  Dirão os naturaes e os estrangeiros:
Alli morreo Palemo. Ai triste historia!
Guardae a nao de alli, ventos ligeiros.
  Antes que tal succeda, vê que gloria
Alcanças com deixar aos navegantes
Da tua ingratidão esta memoria.
  Da nossa differença não te espantes:
Tu Nympha, eu pescador: Glauco, deos vosso,
Qual eu agora sou, tal era d'antes.
  Tambem eu entre as hervas achar posso
Aquella, a quem o ceo deo tal virtude,
Que muda n'outro ser este ser nosso.
  Mas este amor, qu'eu cá mudar não pude,
Inda que vá a morar lá nessas ágoas,
Não temas que a mudança em mi o mude.
  Serão as vivas ondas vivas frágoas,
Em que estarei ardendo noite e dia,
Se não tiveres dó de tantas mágoas.
  As horas naturaes da pescaria
Não vês que vão passando? Como as passas?
Quem deste passatempo te desvia?
  Ah rigorosa Nympha! ah! não me faças{