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VIDA de CAMÕES.
XXXIII

Quem fossem seus ascendentes, cousa he que aos olhos do philosopho mui pouco importa saber-se, porque o homem he filho das proprias obras, e verdadeiramente nasce para os outros, quando lhes principia a ser util; como o sol, que então dizemos que nasce, quando começa a raiar por cima do horizonte. Mas, pois vivemos no mundo, e forçado he conformarmo-nos com os prejuizos delle, daremos tambem aqui a nossos leitores a sua genealogia.

A familia dos Camões, uma das mais antigas de Hespanha, tinha o seu Solar na Galiza, onde era senhora de muitas terras e gozava de muitas regalias. Vasco Pires de Camões, ultimo representante desta familia, fôra um dos fidalgos que Dom Fernando, 9.º Rei de Portugal, trouxera a seu partido, quando aspirava á coroa de toda a Hespanha. Mas, como se malograsse a empresa, teve este fidalgo de abandonar a antiga patria e passar-se a Portugal, onde aquelle Rei, em recompensa do muito que por seu respeito perdêra, lhe fez mercê das villas do Sardoal e Punhete, Marvão e Amendoa, com o Concelho Géstaço e as terras e herdades, que em Estremôz e Avís forão da Infanta Dona Beatriz; e o fez Alcaide mor de Portalegre e membro do seu conselho.

Casou Vasco Pires neste Reino com uma filha de Gonçalo Tenreiro, capitão mor das armadas, a quem Dom João 1.º, sendo ainda Defensor do Reino, deo depois a capitania de Lisboa, pola muita confiança que tinha ha sua honra e valor. E della houve a Gonçalo e João Vas de Camões. Mas a inconstancia do pae cortou depois a fortuna aos filhos. Porque na