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Qu'esta memoria apenas me consente.
  O espirito ja debil, sem alento,
No pouco que te tenho referido,
Nas azas se sostem do pensamento.
  Oh mundo! qual he aquelle tão perdido,
Qu'em ti crê, qual aquelle tão insano,
Vendo-te todo em damno instituido?
  Deixas passar hum gôsto d'anno em ano,
Porque, com nosso opprobrio e tua gloria,
Nos faças mais patente o teu engano.
  Sempre assi vai comtigo a mor victoria,
Deixando-nos somente por herança
D'hum possuido bem triste memoria.
  Quem faz de ti alguma confiança,
Sabendo ja que quem de ti confia,
D'hum engano penoso emfim se alcança?
  Aquelle da belleza novo dia
Cegaste, quando mais resplandecente
Triumphos mil d'Amor nos promettia.
  De qual tigre cruel peito inclemente
Não se rompe de mágoa, morta aquella,
Que a tristeza mil vezes fez contente?
  Quem, que vê eclipsada a vista bella,
Despois de visto haver sua beldade,
E não sabe morrer por hir traz ella?
  Como não te applacou tão tenra idade
Ao cortar do seu fio, ó Parca dura,
Que agora o mundo matas de saudade?
  Deixae, deixae, pastores, a verdura;
As frautas deixae ja, e os mansos gados;
E chorae todos vossa desventura.{