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Nos males que padeço,
Senão de meu sogeito,
Que não cabe com bem de tanto preço?
Mas inda isto de mi cuidar não posso,
D'estar muito soberbo com ser vosso.
  Se por algum acêrto Amor vos erra
Por parte do desejo, commettendo
Algum nefando e torpe desatino;
E s'inda mais que ver, emfim, pretendo;
Fraquezas são do corpo, qu'he de terra,
Mas não do pensamento, qu'he divino.
Se tão alto imagino
Que de vista me perco, ou pecco nisto,
Desculpa-me o que vejo.
Porém como resisto
Contra hum tão atrevido e vão desejo,
Faço-me forte em vossa vista pura,
Armando-me da vossa formosura.
  Das delicadas sobrancelhas pretas
Os arcos com que fere Amor tomou,
E fez a linda corda dos cabellos:
E porque de vós tudo lhe quadrou,
Dos raios desses olhos fez as settas
Com que fere quem alça os seus a vellos.
Olhos que são tão bellos
Dão armas de vantajem ao Amor,
Com que as almas destrue.
Porém se he grande a dor
Com a alteza do mal a restitue;
E as armas com que mata são de sorte,
Que ainda lhe ficais devendo a morte.{302}