Ao monte da aspereza qu'em vós vejo,
Co'o pezado penedo do desejo,
Que do cume do bem me vai cahir:
Tórno a subi-lo ao desejado assento;
Torna a cahir-me: em vão, emfim pelejo.
Sisypho, não t'espantes deste alento,
Que ás costas o subi do soffrimento.
Dest'arte o summo bem se m'offerece
Ao faminto desejo, porque sinta
A perda de perdê-lo mais penosa.
Bem como o avaro, a quem o sonho pinta
O achado d'hum thesouro, onde enriquece,
E farta a sua sêde cobiçosa;
E acordando, com furia pressurosa
Vai o sítio cavar com que sonhava;
Mas tudo o que buscava
Lhe converte em carvão a desventura;
Alli sua cobiça mais se apura,
Por lhe faltar aquillo qu'esperava:
O Amor assi me faz perder o siso.
Porque aquelles qu'estão na noite escura
Não sentirião tanto o triste abisso,
Se ignorassem o bem do Paraisso.
Canção, não mais; que ja não sei que diga:
Mas, porque a dor me seja menos forte,
Diga o pregão a causa desta morte.{307}