Cada hum com seu contrário em hum sogeito.
Oh grão concêrto este!
Quem será que não julgue por celeste
A causa donde vem tamanho effeito,
Que faz n'hum coração
Que venha o appetite a ser razão?
Aqui senti d'Amor a mor fineza,
Como foi ver sentir o insensivel,
E o ver a mi de mi proprio perder-me:
E, emfim, senti negar-se a natureza;
Por onde cri que tudo era possivel
Aos lindos olhos seus, senão querer-me.
Despois que ja senti desfallecer-me,
Em lugar do sentido que perdia,
Não sei quem m'escrevia
Dentro n'alma co'as letras da memoria
O mais deste processo,
Co'o claro gesto juntamente impresso,
Que foi a causa de tão longa historia.
Se bem a declarei,
Eu não a escrevo, d'alma a trasladei.
Canção, se quem te ler
Não crer dos olhos lindos o que dizes,
Por o que a si s'esconde;
Os sentidos humanos (lhe responde)
Não podem dos divinos ser juizes,
Senão hum pensamento
Que a falta suppra a fé do entendimento.{322}