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SONETOS.


II.

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por huns termos em si tão concertados,
Que dous mil accidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que Amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia, e pena, ausente.

Tambem, Senhora, do desprêzo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-hei dizendo a menor parte.

Porém para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho, e arte.



III.

Com grandes esperanças ja cantei,
Com que os deoses no Olympo conquistára;
Depois vim a chorar porque cantára,
E agora chóro ja porque chorei.

Se cuido nas passadas que ja dei,
Custa-me esta lembrança só tão cara,
Que a dor de ver as mágoas que passára,
Tenho por a mór mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que hum tormento
Dá causa que outro na alma se accrescente,
Ja nunca posso ter contentamento.

Mas esta phantasia se me mente?
Oh ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?