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SONETOS.
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XVI.

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos bellos,
Se não perder a vista só com vellos,
Ja não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecellos,
Dei mais a vida e alma por querellos;
Donde ja me não fica mais de resto.

Assi que alma, que vida, que esperança,
E que quanto for meu, he tudo vosso:
Mas de tudo o interêsse eu só o levo.

Porque he tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho, e quanto posso,
Que quanto mais vos pago, mais vos devo.



XVII

Quando da bella vista e doce riso
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraiso.

Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assi que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.

Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não póde conhecellas.

Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não he de estranhar, Dama excellente,
Que quem vos fez, fizesse ceo e estrellas.