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SONETOS.
XLVI.

Grão tempo ha ja que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada;
Que a longa experiencia da passada
Me dava claro indicio da futura.

Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa fôrça exprimentada:
Assolai, destrui, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.

Soube Amor da Ventura, que a não tinha,
E porque mais sentisse a falta della,
De imagens impossiveis me mantinha.

Mas vós, Senhora, pois que minha estrella
Não foi melhor, vivei nesta alma minha;
Que não tẽe a Fortuna poder nella.



XLVII.

Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentíra,
Amor sofrêra mal que eu me partíra
De vossos olhos, minha Saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausencia he de mentira;
Porém venho a provar que he de verdade.

Ir-me-hei, Senhora; e neste apartamento
Lagrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento;
Que, em fim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.