Néscios! os numes a violencia odeiam
E a virtude honram só. De alheias plagas
Invasores hostis, que em naus de espólios
Onustas partem pôr favor de Jove,
Temem-se do castigo; os procos, julgo,70
Voz divina informou da triste morte.
Nenhum de núpcias trata ou de ir-se embora,
Todos em voraz ocio os bens estragam:
Uma nem duas vítimas lhes bastam;
Noites e dias, quantos Jove alterna,75
Consomem carnes, ânforas esgotam.
Em Ithaca e no escuro continente,
Não há magnata que possua tanto,
Nem vinte juntos; a resenha escuta:
Pastam-lhe em terra firme doze armentos,80
E há porcadas iguais, iguais rebanhos,
Vastos cabruns encerros, com pastores
De fora ou do país; nesta ilha mesma,
Guardam fiéis cabreiros onze fatos,
E eu rejo estas pocilgas. Nós forçados,85
Pensão quotidiana, remetemos
A mais nédia cabeça a tais senhores.»

Tácito Ulysses come e ávido bebe,
Ideando a vingança; e, confortado,
A copa do porqueiro aceita plena,90
Jubiloso e veloz: «Rico era e forte
Quem te comprou, qual, hospede, o apregoas?
Morto o crês pela causa de Agamemnon:
Talvez o conhecesse eu vagamundo;
Sabe a etérea mansão, quando o nomeies,95
Se ocultar testemunho em mim depares.»

«Velho, constesta Eumeu, não mais se apoiam
Em peregrino algum a esposa e o filho:
Quanto são mentirosos os mendigos!
A senhora os socorre e asila e inquire;100
Mas incrédula geme, qual viúva
Que lamenta o marido ao longe extinto.
Urdir hoje uma fábula pretendes,
Para de capa e túnica mudares?
As entranhas cães e aves lhe tragaram,105