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ORIGEM DAS ESPÉCIES

feito, nas condições de existência tão novas e tão modificadas, devessem encontrar-se desocupados ou mal ocupados por outros organismos. Neste caso, a selecção natural favorecia uma aquisição gradual cada vez mais precoce da conformação adulta, e o resultado seria a desaparição de todos os traços das metamorfoses anteriores.

Se, por outra parte, era vantajoso para o novo animal ter hábitos um pouco diferentes dos dos pais, e ser, por consequência, conformado um pouco diversamente, ou se fosse vantajoso para uma larva, já diferente da forma-pai, modificar-se ainda mais, a selecção natural poderia, em virtude do principio de hereditariedade na idade correspondente, tornar o jovem animal ou a larva cada vez mais diferente dos pais, e isto em qualquer grau. As larvas poderiam ainda apresentar diferenças em correlação com as diversas fases do seu desenvolvimento, de modo que acabariam por diferir muito do primeiro estado para o segundo, como é o caso num grande número de animais. O adulto poderia ainda adaptar-se às situações e aos hábitos para as quais os órgãos dos sentidos ou da locomoção se tornariam inúteis, caso em que a metamorfose seria retrógrada.

As notas precedentes explicam-nos como, em seguida a alterações de conformação nos novos, em razão das modificações nas condições de existência, além da hereditariedade numa idade correspondente, os animais podem chegar a atravessar fases de desenvolvimento completamente distintas da condição primitiva dos seres ascendentes adultos. A maior parte dos nossos melhores naturalistas admitem hoje que os insectos adquiriram por adaptação as diferentes fases de larva e de crisálida que atravessam, e que estes diversos estados lhes não foram transmitidos hereditàriamente por um antepassado longínquo. O exemplo curioso do Sitáris, coleóptero que atravessa certas fases extraordinárias de desenvolvimento, ajuda-nos a compreender como isto pode realizar-se. Segundo M. Fabre, a primeira larva do sitáris é um insecto pequeno, activo, provido de seis patas, de duas longas antenas e de quatro olhos. Estas larvas fecham-se nos ninhos das abelhas, e quando, na Primavera, as abelhas-machos saem do seu buraco, o que fazem antes das fêmeas, estas pequenas larvas ligam-se a elas, e deslizam em seguida sobre as fêmeas durante a copulação. Logo que as fêmeas põem os olhos nas células providas de mel preparadas para as receber, as larvas do sitáris lançam-se sobre os ovos e devoram-nos. Estas larvas sofrem, em seguida, uma mudança completa; os olhos desaparecem, as patas e as antenas tornam-se rudimentares; nutrem-se, então, de mel. Neste estado, parecem-se muito com as larvas