Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/503

RECAPITULAÇÃO E CONCLUSÕES
477

às condições modificadas de ordem inferior. Enfim, a lei notável da longa persistência de formas ligadas no mesmo continente — marsupiais na Austrália, desdentados na América meridional, e outros casos análogos — compreende-se fàcilmente, porque, numa mesma região, as formas existentes devem ser estreitamente ligadas às formas extintas por um laço genealógico.

No que é concernente à distribuição geográfica, se admitirmos que no decurso imenso de remotos tempos, houve grandes emigrações nas diversas partes do globo, devidas a numerosas alterações climatéricas e geológicas, bem como a meios numerosos, ocasionais e pela maior parte desconhecidos de dispersão, a pluralidade e dos factos importantes da distribuição geográfica torna-se inteligível pela teoria da descendência com modificações. Podemos compreender o paralelismo tão frisante que existe entre a distribuição dos seres organizados na espécie, e a sua sucessão geológica no tempo; porque, nos dois casos, os seres ligaram-se uns aos outros pelo laço da geração ordinária, e os meios de modificação foram os mesmos. Compreendemos toda a significação deste facto notável, o que impressionou todos os viajantes, isto é, que, no mesmo continente, nas condições mais diversas, apesar do calor ou do frio, nas montanhas ou nas planícies, nos desertos ou nos pântanos, a maior parte dos habitantes de cada grande classe têm entre si relações evidentes de parentesco; descendem, com efeito, dos mesmos primeiros colonos, seus antepassados comuns. Em virtude deste mesmo princípio de emigração anterior, combinado na maior parte dos casos com o da modificação, e graças à influência do período glaciário, pode explicar-se a causa de se encontrarem nas montanhas mais afastadas umas das outras e em zonas temperadas de um e de outro hemisfério, algumas plantas idênticas e muitas outras estreitamente aliadas; compreendemos da mesma forma a aliança estreita de alguns habitantes dos mares temperados dos dois hemisférios, que são, contudo, separados por todo o oceano tropical. Posto que duas regiões apresentem condições físicas tão semelhantes quanto uma mesma espécie possa desejá-las, não devemos admirar-nos de os seus habitantes serem totalmente diferentes, pois foram separados completamente uns dos outros desde longo tempo; a relação do organismo é, com efeito, mais importante de todas as relações, e como as duas regiões devem ter recebido colonos vindos de fora, ou provenientes de uma e de outra, em diferentes épocas e em proporções diferentes, a marcha das modificações nas duas regiões deve inevitávelmente ser diferente.

Na hipótese de emigrações seguidas de modificações subse-