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Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer

Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020

http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022

Em primeiro lugar, verifica-se que, por meio da análise dos panfletos manuscritos, encontram-se redatores anônimos, cuja linguagem era mais violenta e contundente do que aquela usada nos panfletos impressos, justificando a origem de cunho popular dos primeiros. Nesse sentido, as informações que contêm esse material oferecem perspectivas distintas sobre o movimento constitucionalista que o Brasil conheceu em 1821, bem como dá pistas inesperadas sobre seu processo de separação de Portugal. Amplia-se a base social de tais movimentos, consagrados pela historiografia como um processo em que apenas as elites políticas e intelectuais tiveram atuação. Claro que tais elites foram os condutores do movimento, mas não se pode esquecer que o político aumentava seu espectro passa a ser discutido nas praças públicas.

Para além da questão do medo do haitianismo, ameaça constante por parte de deputados e periodistas portugueses, que insuflavam o medo de um levante escravo no Brasil, tal conjunto ainda deve ser ampliado com a presença de escravos e libertos. Notícias circulavam nos panfletos e jornais sobre tal temática, tanto que o Revérbero Constitucional Fluminense rebatia tais boatos, argumentando que era

seguramente bem estólida esta ameaça contínua de sublevação de escravos. Como não veem essas toupeiras que a sublevação de escravos em que tanto falam lhes [aos portugueses] há de ser mais fatal que a nós. [...] os pardos e os pretos no Brasil dividem-se em duas classes - forros e cativos - dos primeiros têm bastante que temer os autômatos fardados de Portugal; dos segundos nada receiam os brasileiros.[1]

Ou seja, a ameaça de rebelião escrava não impedia a expectativa do Brasil como estado independente e constitucional, uma vez que manter a escravidão representava a única possibilidade de garantir a ordem na monarquia constitucional em construção. Envolvia, no entanto, uma outra fundamental: a discussão do conceito de inde-

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  1. REVERBERO CONSTITUCIONAL FLUMINENSE. Rio de Janeiro, n. 16, 10 set. 1822.