Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/109

-109-

depressa á banca, e inclinou a cabeça sobre um livro que tinha aberto diante de si.

Á entrada de Mauricio, Jorge apenas lhe acenou com a mão, e proseguiu ou fingiu que proseguia na leitura que encetára, até terminar a pagina.

—Boas noites, nigromante—saudou-o Mauricio.—A estas horas, n'esta torre, á luz mortiça d'um candieiro e com um livro aberto diante de ti, representas admiravelmente um astrologo.

Jorge apenas lhe respondeu com um sorriso e continuou a folhear o livro.

Mauricio chegou-se á janella:

—Mas é preciso, de quando em quando, examinar as estrellas tambem. E ellas hoje que estão tão scintillantes! Ah! grande novidade no nosso firmamento! Graças a Deus que, além de nós, ha já mais alguem na aldeia que não dorme a estas horas!

Jorge fechou o livro, e foi ter com o irmão á janella.

—Que queres dizer?—perguntou aproximando-se.

—Que descobri um planeta novo! mais uma luz na aldeia!

—Uma luz?!

—Sim, e é em casa de Thomé.

Jorge fitou a luz com certa curiosidade e conservou-se algum tempo calado; depois murmurou:

—Thomé ainda de vela a estas horas! É singular!

—Faz-lhe mais justiça — tornou Mauricio.—Thomé dorme ha boas quatro horas. A gente do campo é incapaz do extravagante delicto de escandalisar com luz as trevas da noite. N'aquillo percebem-se vestigios de habitos cidadãos. Quem vela é a filha, com certeza.

—Ah! sim... Bertha... esquecia-me de que tinha voltado—acudiu Jorge, esforçando-se por dizer isto em tom natural e indifferente.

—Voltou, e bem outra do que foi!—advertiu Mauricio.

—Em quê?—perguntou Jorge, olhando para o irmão.

—Foi d'aqui uma criança agradavel, e veio uma encantadora mulher!