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pertadoras das suas clericaes saudades, frei Januario, dizemos, sentia em si uns jubilos de criança, que nem podia nem procurava disfarçar.

Eloquente como nunca, corroborou a opinião do fidalgo, fazendo-lhe bem sentir o deslustro que soffreria o brazão da casa se não se observassem essas praticas senhoris dos tempos passados, e dando como faceis de aplanar todas as difficuldades que, á primeira vista, apresentava o projecto.

A Jorge, que lhe suscitava algumas objecções, o egresso sómente respondia:

— Tenha paciencia, snr. Jorge, a nobreza obriga!

— Obriga a ser nobre, que é ser leal, sincero, honrado, sem affectação, sem prodigalidade, e sem sumptuosidades que se sustentem á custa alheia.

— Á custa alheia?!

— Emquanto esta casa tiver uma divida é á custa alheia que vive, gere dinheiro de outros e não lhe é airoso gastar em festas e banquetes o que precisa para remir-se primeiro e para prosperar depois.

— Uma casa de fidalgos não é uma casa de commerciantes. Que estes, que não teem um nome a respeitar, se não mettam em cavallarias altas, entende-se. E é até muito para sentir vêr por ahi fazer o contrario, como se vê! Mas agora quem tem brazão na porta e retratos nas paredes...

— Quem tem brazão e retratos, e vive como n'esta casa se tem vivido, arrisca-se muito a ter de vender um dia brazões e avós, por preço modico, ao commerciante que teima em metter-se em cavallarias altas, e que tem a felicidade de não cahir do cavallo abaixo.

— Adeus, elle ahi vem com as suas! Eu já lhe disse, não percebo que ideias são essas com que o menino me anda ha tempos. Ora para o que lhe havia de dar! O filho mais velho de uma casa como esta, aparentado com as primeiras familias do reino, com marquezes e duques da melhor linhagem, tudo nobreza antiga e da que não admitte duvida a fallar como qualquer d'esses bacharelitos que veem de Coimbra, mações nos ossos e republicanos na alma! Uma coisa assim!