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OS MAIAS

tempo em Londres: e d’ahi viera habitar Paris, com Mr. de l’Estorade, um jogador, um espadachim, que acabou de a arrasar, e que a abandonou legando-lhe esse nome de l’Estorade, que lhe era a elle d’ora em diante inutil porque passava a adoptar outro mais sonoro de Vicomte de Manderville. Emfim, pobre, formosa, doida, excessiva, lançara-se na existencia d’aquellas mulheres de quem, dizia o Alencar, «a pallida Margarida Gautier, a gentil Dama das Camelias é o typo sublime, o symbolo poetico, a quem muito será perdoado porque muito amaram.» E o poeta terminava: «ella está ainda no esplendor da belleza, mas as rugas virão, e então que avistará em redor de si? As rosas seccas e ensanguentadas da sua coroa de esposa. Sahi d’aquelle boudoir perfumado, com a alma dilacerada, meu Villaça! Pensava no meu pobre Pedro, que lá jaz sob o raio de luar, entre as raizes dos cyprestes. E, desilludido d’esta cruel vida, vim pedir ao absintho, no boulevard, uma hora de esquecimento.»

Affonso da Maia deu um repellão á carta, menos enojado das torpezas da historia, que d’aquelles lyrismos relambidos.

E recomeçou a passear, emquanto o Villaça recolhia religiosamente o documento que tinha relido muitas vezes, na admiração do sentimento, do estylo, do ideal d’aquella pagina.

— ­E a pequena? perguntou Affonso.

— ­Isso não sei. O Alencar não lhe fallaría na filha, nem elle mesmo sabe que ella a levou. Ninguem o