OS MAIAS
125

o sapato de setim, um pouco da meia de sêda, languida e desdenhosa, com um cãosinho branco no regaço.

Os poetas da Academia fizeram-lhe versos em que Encarnacion foi chamada Lirio d’Israel, Pomba da Arca, e Nuvem da Manhã. Um estudante de theologia, rude e sebento transmontano, quiz casar com ella. Apesar das instancias de Carlos, Encarnacion recusou; e o theologo começou a rondar Cellas, com um navalhão, para «beber o sangue» ao Maia. Carlos teve de lhe dar bengaladas.

Mas a creatura, desvanecida, tornou-se intoleravel, fallando sem cessar d’outras paixões que inspirára em Madrid e em Lisboa, do muito que lhe dera o conde de tal, o marquez sicrano, da grande posição da sua familia ainda aparentada com os Medina-Cœli: os seus sapatos de setim verde eram tão antipathicos como a sua voz estridula: e quando tentava elevar-se ás conversações que ouvia, rompia a chamar ladrões aos republicanos, a celebrar os tempos de D. Isabel, a sua gracia, o seu salero — ­sendo muito conservadora como todas as prostitutas. João da Ega odiava-a. E Craveiro declarou que não voltava aos Paços de Cellas emquanto por lá apparecesse aquelle montão de carne, pago ao arratel, como a de vacca.

Emfim, uma tarde Baptista, o famoso criado de quarto de Carlos surprehendeu-a com um Juca que fazia de dama no Theatro Academico. Ahi estava, emfim, um pretexto! E, convenientemente