OS MAIAS
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— ­Já não ha nada, disse o outro grave e convencido, e como o derradeiro homem nas ruinas d’um mundo.

Mas era tarde, ía-se agasalhar, recolher, depois de acabar a sua chasada. O marquez ainda se demorou, preguiçando no sophá, enchendo lentamente o cachimbo, dando um olhar áquella sala que o encantava com o seu luxo Luiz XV, os seus florídos e os seus dourados, as cerimoniosas poltronas de Beauvais feitas para a amplidão das anquinhas, as tapeçarias de Gobelins de tons desmaiados, cheias de galantes pastoras, longes de parques, laços e lãs de cordeiros, sombras d’idyllios mortos, transparecendo n’uma trama de seda... Áquella hora, no adormecimento que ía pesando, sob a luz suave e quente das velas que findavam, havia ali a harmonia e o ar de um outro seculo: e o marquez reclamou do Cruges um minuete, uma gavotta, alguma cousa que evocasse Versalhes, Maria Antonietta, o rythmo das bellas maneiras e o aroma dos empoados. Cruges deixou morrer sob os dedos a melodia vaga que estava diluindo em suspiros, preparou-se, alargou os braços — ­e atacou, com um pedal solemne, o Hymno da Carta. O marquez fugiu.

Villaça e Euzebiozinho conversavam no corredor, sentados n’uma das arcas baixas de carvalho lavrado.

— ­A fazer politica? perguntou-lhes o marquez ao passar.

Ambos sorriram; Villaça respondeu jocosamente:

— ­É necessario salvar a patria!