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OS MAIAS

Mas Ega sentiu-se decerto ridiculo, porque se calmou, refugiou-se immediatamente no puro interesse litterario:

— ­No fim de contas, menino, digam lá o que disserem, não ha senão o velho Hugo...

Carlos, comsigo, lembrava furores naturalistas do Ega, rugindo contra Hugo, chamando-lhe «saco-roto de espiritualismo», «boca-aberta de sombra», «avôsinho lyrico», injurias peiores.

Mas n’essa noite o grande phraseador continuou:

— ­Ah o velho Hugo! o velho Hugo é o campeão heroico de verdades eternas... É necessario um bocado d’ideal, que diabo!... De resto o ideal póde ser real...

E foi, com esta palinodia, acordando os silencios do Aterro.

Dias depois Carlos, no consultorio, acabava de despedir um doente, um Viegas, que todas as semanas vinha alli fazer a fastidiosa chronica da sua dyspepsia — ­quando do reposteiro da sala d’espera lhe surgiu o Ega, de sobrecasaca azul, luva gris-perle e um rolo de papel na mão.

— ­Tens que fazer, doutor?

— ­Não, ía a sahir, janota!

— ­Bem. Venho-te impingir prosa... Um bocado do Atomo... Senta-te ahi. Ouve lá.

Immediatamente abancou, afastou papeis e livros, desenrolou o manuscripto, espalmou-o, deu um puxão ao collarinho — ­e Carlos, que se pousara á borda do divan, com a face espantada e as mãos nos joelhos,