Ega, que tinha pressa, como sempre, enrolou o manuscripto, reabotoou a sobrecasaca, e já de chapéu na mão:
— Então, parece-te apresentavel?...
— Vaes publicar?
— Não, mas emfim... — e ficou n’esta reticencia, fazendo-se corado.
Carlos comprehendeu tudo dias depois, encontrando na Gazeta do Chiado uma descripção «da leitura feita em casa do ex.mo sr. Jacob Cohen, pelo nosso amigo João da Ega, de um dos mais brilhantes episodios do seu livro — As memorias d’um atomo.» E o jornalista accrescentava, dando a sua impressão pessoal: «é uma pintura dos sofrimentos porque passaram, nos tempos da intolerancia religiosa, aquelles que seguem a Lei d’Israel. Que poder de imaginação! Que fluencia d’estylo! O effeito foi extraordinario, e quando o nosso amigo fechou o manuscripto ao succumbir da protagonista — vimos lagrimas em todos os olhos da numerosa e estimavel colonia hebraica!»
Oh, furor do Ega! Rompeu n’essa tarde pelo consultorio, pallido, desorientado...
— Estas bestas! Estas bestas d’estes jornalistas! Leste? Lagrimas em todos os olhos da numerosa e estimavel colonia hebraica! Faz cahir a cousa em ridiculo... E depois a fluencia d’estylo. Que burros! Que idiotas!
Carlos, que cortava as folhas d’um livro, consolou-o. Aquella era a maneira nacional de fallar d’obras d’arte... Não valia a pena bramar...