a cartilha: e a face d’Affonso da Maia cobria-se de tristeza, quando ao voltar d’alguma caçada ou das ruas de Londres, d’entre o forte rumor da vida livre — ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do reverendo, perguntando como do fundo d’uma treva:
— Quantos são os inimigos da alma?
E o pequeno, mais dormente, lá ia murmurando:
— Tres. Mundo, Diabo e Carne...
Pobre Pedrinho! Inimigo da sua alma só havia alli o reverendo Vasques, obeso e sordido, arrotando do fundo da sua poltrona, com o lenço do rapé sobre o joelho...
Ás vezes Affonso, indignado, vinha ao quarto, interrompia a doutrina, agarrava a mão do Pedrinho — para o levar, correr com elle sob as arvores do Tamisa, dissipar-lhe na grande luz do rio o pesadume crasso da cartilha. Mas a mamã accudia de dentro, em terror, a abafal-o n’uma grande manta: depois lá fóra o menino, acostumado ao collo das creadas e aos recantos estofados, tinha medo do vento e das arvores: e pouco a pouco, n’um passo desconsolado, os dois iam pisando em silencio as folhas seccas — o filho todo acobardado das sombras do bosque vivo, o pae vergando os hombros pensativo, triste d’aquella fraqueza do filho...
Mas o menor esforço d’elle para arrancar o rapaz áquelles braços de mãe que o amolleciam, áquella cartilha mortal do padre Vasques — trazia logo á delicada senhora accessos de febre. E Affonso não se atrevia já