OS MAIAS
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lhe para cima dos joelhos um bocado do plaid que o agasalhava, porque o maestro parecia arrepiado.

— ­É que esta casa tambem é nossa, disse simplesmente Cruges.

— ­Está claro, ahi está uma razão! murmurou Carlos rindo e encolhendo os hombros.

Partiram.

Era uma manhã muito fresca, toda azul e branca, sem uma nuvem, com um lindo sol que não aquecia, e punha nas ruas, nas fachadas das casas, barras alegres de claridade dourada. Lisboa acordava lentamente: as saloias ainda andavam pelas portas com os seus ceirões d’hortaliças: varria-se de vagar a testada das lojas: no ar macio morria a distancia um toque fino de missa.

Cruges, tendo acabado de arranjar o cache-nez e de abotoar as luvas, estendeu um olhar á esplendida parelha baia reluzindo como um setim sob o faiscar de prata dos arreios, aos criados com os seus ramos nas librés, a todo aquelle luxo correcto e rolando em cadencia — ­onde fazia mancha o seu paletot: mas o que o impressionou foi o aspecto resplandecente de Carlos, o olhar acceso, as bellas côres, o bello riso, o quer que fosse de vibrante e de luminoso, que, sob o seu simples veston de xadrezinho castanho, n’aquella almofada burgueza de break, lhe dava um arranque de heroe jovial, lançando o seu carro de guerra... Cruges farejou uma aventura, soltou logo a pergunta que desde a vespera lhe ficara nos labios.