OS MAIAS
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branca de mordomo, parecendo mais tisnado e mais embarcadiço na claridade loira que sahia da filha, encolhido e quasi apavorado, trazendo nas mãos o oculo, o libretto, um saco de bonbons, o leque e o seu proprio guardachuva. Mas era no camarote, quando a luz cahia sobre o seu collo eburneo e as suas tranças de oiro, que ella offerecia verdadeiramente a encarnação d’um ideal da Renascença, um modelo de Ticiano... Elle, Alencar, na primeira noite em que a vira, exclamara, mostrando-a a ella e ás outras, ás trigueirotas da assignatura:

— ­Rapazes! é como um ducado de ouro novo entre velhos patacos do tempo do Sr. D. João VI!

O Magalhães, esse torpe pirata, pozera o dito n’um folhetim do Portuguez. Mas o dito era d’elle, Alencar!

Os rapazes, naturalmente, começaram logo a rondar o palacete de Arroios. Mas nunca n’aquella casa se abria uma janella. Os criados interrogados disseram apenas que a menina se chamava Maria, e que o senhor se chamava Manoel. Emfim uma creada, amaciada com seis pintos, soltou mais: o homem era taciturno, tremia deante da filha, e dormia n’uma rêde; a senhora, essa, vivia n’um ninho de sedas todo azul-ferrête, e passava o seu dia a ler novellas. Isto não podia satisfazer a sofreguidão de Lisboa. Fez-se uma devassa methodica, habil, paciente... Elle, Alencar, pertencera á devassa.

E souberam-se horrores. O papá Monforte era dos Açores; muito moço, uma facada n’uma rixa, um cadaver a uma esquina tinham-n’o forçado a fugir