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OS MAIAS

desembaraçar do calhambeque d’assento duro, onde durante a ultima hora suffocára, sem ousar descer as vidraças, com as pernas adormecidas, enfastiado de tantas sedas amarrotadas e dos beijos interminaveis que ella lhe dava na barba...

Até ahi, durante essas tres semanas, tinham-se encontrado n’uma casa da rua de Santa Izabel, pertencente a uma tia da condessa que fôra para o Porto com a criada, deixando-lhe a chave da casa e o cuidado do gato. A boa titi, uma velha pequenina, chamada miss Jones, era uma santa, uma apostola militante da Egreja Anglicana, missionaria da Obra da Propaganda; e todos os mezes fazia assim uma viagem de cathechisação á provincia, distribuindo Biblias, arrancando almas á treva catholica, purificando (como ella dizia) o tremedal papista... Já na escada havia um cheirinho adocicado e triste a devoção e a virgem velha: e no patamar pendia um largo cartão, com um distico em letras de ouro entrelaçadas de lyrios roxos, rogando aos que entravam que preserverassem nas vias do Senhor! Carlos entrou, tropeçando logo n’um montão de Biblias. O quarto todo era um ninho de Biblias; havia-as ás pilhas por cima dos moveis, transbordando de velhas chapelleiras, misturadas a pares de galochas, cahidas para o fundo da bacia d’assento, todas do mesmo formato, entaladas n’uma encadernação negra como n’uma armadura de combate, carrancudas e aggressivas! As paredes resplandeciam, forradas de cartonagens impressas em lettras de côr, irradiando versiculos duros da Biblia, asperos