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OS MAIAS

com a garganta. E desejava antes de jantar ir ao quarto de Carlos gargarejar com agua e sal...

— ­E é isto um portuguez forte! exclamou Carlos, travando-lhe alegremente do braço.

— ­Eu sou piegas na garganta, replicou logo o marquez, desprendendo-se d’elle e olhando-o com ferocidade. E você é-o no sentimento. E o Craft é-o na respeitabilidade. E o Damasosinho é-o na tolice. Em Portugal é tudo Pieguice e Companhia!

Carlos rindo, arrastou-o pelo corredor. E de repente, ao entrarem na ante-camara, deram com Affonso fallando a uma mulher, carregada de luto, que lhe beijava a mão, meia de joelhos, suffocada de lagrimas: e ao lado outra mulher, com os olhos turvos d’agua tambem, embalava dentro do chaile uma criancinha que parecia doente e gemia. Carlos parara embaraçado; o marquez instinctivamente levou a mão á algibeira. Mas o velho, assim surprehendido na sua caridade, foi logo empurrando as duas mulheres para a escada: ellas desciam, encolhidas, abençoando-o, n’um murmurio de soluços; e elle voltando-se para Carlos, quasi se desculpou n’uma voz que ainda tremia:

— ­Sempre estes peditorios... Caso bem triste todavia... E o que é peior é que por mais que se dê nunca se dá bastante. Mundo muito mal feito, marquez.

— ­Mundo muito mal feito, sr. Affonso da Maia, respondeu o marquez commovido.