48
MONTEIRO LOBATO

amor. Não era mais vida aquelle meu viver, e sim um extase permanente.

Alheiado de tudo, uma só cousa eu via, duma só cousa me alimentava.

Riquezas, poderio, honras — que vale tudo isso ante a sensação divina de amar e ser amado ?

Nessa ebriedade vivi — quanto tempo não sei. O tempo não contava para o meu coração. Vivia — tinha a impressão de que só nessa epoca entrára a viver. Antes a vida não me fôra mais do que simples agitação animal.

Poetas! Como vos comprehendi a voz interior, resoada em rimas, como me irmanei comvosco no esvoaçar pelos intermundios do sonho...

Liduina comportava-se como a fada bôa dos nossos destinos. Sempre vigilante, a ella deviamos inteirinho o mar de felicidade em que boiavamos. Lepida, mimosa, travessa, a gentil creoula enfeixava em si toda a artimanha da raça perseguida e todo o genio do sexo escravisado á potencia do homem.

Ariel ! Era bem o espirito de Ariel que se encarnára nella.

Emtanto, o bem que nos fizeste como se avinagrou para ti, Liduina !.. Em que fel horroroso se te transfez, afinal...

Eu sabia que o mundo é governado pelo monstro Estupidez. E que S. M. não perdôa o crime de Amor. Mas nunca suppuz que esse monstro fosse a féra delirante que é — tào sanguisedenta, tào requintada em ferocia. Nem que houvesse harpia mais bem servida que essa.