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MONTEIRO LOBATO

Fôra á tardinha, numa volta do ribeirão, á sombra dum tufo de marianeira cacheada de fructos.

Mãos dadas, cabeça contra cabeça, num enlevo de communhão d'alma, assistiamos ao alvoroto da peixaria assanhada na disputa das fructinhas amarellas que, a espaços, pipocavam na agua remansosa do poço.

Izabel, absorta, olhava aquellas ariscas linguinhas de prata apinhadas em torno do cibo.

— Sinto-me triste, Fernão. Tenho medo da nossa felicidade. Qualquer cousa me diz que isto tem fim — e fim tragico...

Por toda a resposta aconcheguei-a inda mais ao peito.

Um bando de sahiras e sanhaços, de pouso na marianeira, entraram a debicar energicamente os cachos das fructinhas silvestres. E o espelho das aguas piriricou logo ao chuveiro de migalhas cahidas. Coalhou-se o rio de lambarys famintos, engalfinhados, num delirio de regabofe, com saltos de prata faiscantes no ar.

Izabel, sempre absorta, dizia :

— Como são felizes !.. E são felizes porque são livres. Nós — pobres de nós !... Nós somos inda mais escravos que os pretos...

Duas viuvinhas pousaram numa haste de pery emersa da margem fronteira. A vara vergou-se-lhes ao peso, oscillou uns instantes e estabilizou-se de novo. E o lindo casal permaneceu immovel, juntinho, commentando talvez, como nós, a festa glutona dos peixes.