Página:Os descobrimentos portuguezes e os de Colombo.djvu/219

213

aonde chegára, por conseguinte, em 1490. Era portanto macrobio este venerando descobridor que não podia ter menos de 20 annos quando chegou ao Brazil, e, ainda quando o fosse, era singular o testamento de um homem, que, aos 110 annos, tendo perdido as noções da vida civilisada, com tanta precisão chronologica dizia que estava no Brasil não ha oitenta ou noventa annos, como seria natural que o fizesse e talvez ainda exaggerando a conta, mas rigorosamente ha noventa! Ora d’esse testamento não ha noticia senão a que dá um d’esses chronistas fradescos do seculo XVII, que tão facilmente, como é sabido, falsificavam datas e inventavam documentos. Mas o golpe mortal n’esta lenda infantil foi dado por um eminente escriptor brasileiro, o sr. Candido Mendes de Almeida, que depois de mostrar o absurdo da lenda e a ausencia de documentos em que se baseasse, publicou uma carta de um jesuita que, estando em 1559 na terra em que João Ramalho habitava, e dando conta aos seus superiores dos progressos da conversão dos indigenas, lhes fallava n’um Indio que lhe pediu que lhe dissesse quaes os dias em que devia jejuar, porque deixára de o saber desde a morte de João Ramalho, que era quem em vida lh’o dizia.[1]

  1. A carta do jesuita Antonio de Sá escripta em hespanhol aos jesuitas da Bahia e datada de S. Vicente, 13 de junho de 1559 diz: «Un Indio que se llama Belchior está puesto en ayunar todos los dias que manda la Iglesia, y sin yo le hablar nada, preguntóme que le hiziese saber los dias de ayuno y cual no se comia carne, diciendome que antes que muriese Juan Ramallo que el se lo dezia y ayunaba todos los dias que la Iglesia manda.» O estudo a que nos referimos feito pelo sr. Candido Mendes de Almeida vem publicado na Revista trimensal do Instituto Historico Geographico do Brasil, e n’esse periodico vem tambem as memorias de Joaquim Norberto, Gonçalves Dias e Machado de Oliveira, a que atraz nos referimos.