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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 16, n. 2, e20200041, 2021

Apesar da sua ortografia antiga e influenciada pela fonologia da língua alemã, os topônimos mencionados por Staden nestas citações exibem nitidamente a posposição -pe: Meyenbipe e Tickquarippe. Ele afirma que eram os próprios selvagens que chamavam a Ilha de São Sebastião com aquele nome Meyenbipe. Com relação à aldeia de Tickquarippe (Takûarype, cuja etimologia é ‘no rio das taquaras’), fica completamente descartada a hipótese de uma nomeação paralela pelos portugueses, pois se tratava de aldeia tupinambá em campo inimigo, não frequentado por colonos portugueses.

Outro texto de que nos servimos para pôr à prova a referida hipótese de Barbosa é da lavra do francês Claude D’Abbeville, frade capuchinho que participou da invasão francesa ao Maranhão em 1612. Segundo Navarro (2014, pp. 37-38):

Logo após sua chegada, os franceses fundam São Luís, em homenagem ao futuro rei Luís XIII, mas já em 1615 são expulsos do Maranhão. Voltando em 1613 à França, Frei D’Abbeville publica sua obra “Histoire de la Mission des Pères Capucins en l’Isle de Maragnan”, o grande registro do malogrado empreendimento colonial francês em terras do norte do Brasil. Sua obra relata os fatos que sucederam naqueles poucos anos de invasão do Maranhão, fazendo, outrossim, descrição da natureza da região e dos índios que habitavam aquelas partes do Brasil no início do século XVII. Apresenta, assim, centenas de nomes tupis de animais e plantas, dos artefatos dos tupinambás, de suas práticas culturais, de seus alimentos etc.

No que tange à toponímia, chamou-nos a atenção o seguinte passo de sua obra, em que ele menciona dois nomes de aldeias que portam a posposição tupi -pe:

LES PRINCIPAUX VILLAGES DE TAPOUYTAPERE

...

Le quatrieʃme est Meureutieupê, ceʃt à dire, larbre de Palme...

Le septiesme sappelle Aroueupe, cest à dire la place des Crapaux (D’Abbeville, 1614, cap. XXXIII).
[AS PRINCIPAIS ALDEIAS DE TAPUITAPERA

...

A quarta é Meureutieupê[1], quer dizer, a palmeira...

A sétima se chama Aroueupe[2], quer dizer, o lugar dos sapos][3].

O contato de D’Abbeville com os tupinambás do Maranhão fora efêmero, de menos de dois anos, e é muito improvável que ele tenha recriado os topônimos que citou (Meureutieupê e Aroueupe), acrescentando-lhes a posposição -pe, do tupi antigo, que neles aparece.

Para a segunda hipótese de Barbosa, isto é, a de que os topônimos tupis não eram usados em função argumentativa, mas tão só circunstancial, sugerindo que tal fato teria influenciado o emprego de topônimos com a posposição tupi -pe pelos colonos, também não encontramos respaldo nos textos quinhentistas. Para colocar tal hipótese à prova, utilizamos o “Auto de São Lourenço”, de autoria de José de Anchieta, escrito na década de oitenta do século XVI (Anchieta, 1999). Lemos nessa obra o seguinte (Anchieta, 1999, pp. 147-151):

Îa’u-pá Mosupyroka,
Îekeí, Gûatapytyba,
Nheterõîa, Paraíba,
Gûaîaîó, Kariîó-oka,
Pakukaîa, Arasatyba

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  1. Meureutieupê (Meriti’ype) – etimologia: ‘no rio dos miritis’, variação de palmeira (Mauritia flexuosa).
  2. Aroueupe (Aru’ype) – etimologia: ‘no rio dos arus’, variação de sapo da família dos pipídeos.
  3. Tradução e grifos nossos.