Fernão Mendez Pinto. 47

te affirmo que nenhum te ha de tratar verdade em couſa que te diga, & fiate de mim, porque ſou muyto rico, & não te ey de mentir como homẽ pobre. E aſsi te aconſelho que te vàs por eſta enſeada dentro, & ſempre co prumo na mão, porque tem muytos baixos, & muyto perigoſos, ate hum bom rio que ſe chama Tanauquir, porque nelle tẽs bõ ſurgidouro em que podes eſtar ſeguro & à tua vontade, & em dous dias poderàs vender toda eſſa fazenda que leuas, & outra muyta mais ſe a tiueres, mas não te aconſelho que a deſembarques em terra, porque muytas vezes a viſta caufa cubica, & a cubiça, deſmancho na gente quieta, quanto mais na reuoltoſa & de mà conſciencia, que tẽ por natureza inclinarſe mais a tomar o alheyo, que a dar do ſeu aos neceſfitados pelo amor de Deos. Apos iſto elle & os outros que trazia comſigo ſe deſpidiraõ do Capitão & dos Portugueſes com muytas palauras de cũprimentos, de que commummente não ſaõ nada auarentos, & a Antonio de Faria em retorno do q̃ lhe tinha dado, deu hũa boceta de tartaruga pequena como hum ſaleiro, chea de graõs de aljoſre, & doze perolas de honeſta grandeza, dizendo que lhes perdoaſſe por não ſazerem aly fazẽda com elle, porque arreceauão que os mataſſem por iſſo, conforme à riguroſa ley da juſtiça daquella terra, & que lhe rogaua que logo ſe foſſe, antes que vieſſe o Mandarim da armada, porque ſe aly o achaſſe, ſoubeſſe certo que lhe auia de queimar as embarcaçoẽs. Não quiz Antonio de Faria engeitar o conſelho deſte homem, & arreceando que pudeſſe ſer verdade o q̃ lhe elle dizia, ſe fez logo à vella, & paſſandoſe á outra coſta da banda do Sul, em dous dias de ventos oeſtes chegou ao rio de Tanauquir, no qual ſurgio defronte de hũa aldea pequena chamada Neytor.

CAP. XXXXVI.
Do que Antonio de Faria paſſou

neste rio de Tanauquir com hum Coſſayro renegado por nome Franciſco de Saa.


NA boca deſte rio de Tanauquir nos deixamos eſtar ſurtos toda aquella noite, com tenção de tanto que foſſe menham nos yrmos para a cidade, que era daly cinco legoas, a ver ſe nella por qualquer via de concerto podiamos vender a fazenda q̃ leuauamos, porque como era muyta, traziamos as embarcaçoẽs tão carregadas, que não auia dia que não deſſemos duas tres vezes em ſeco nos baixos dos parceis, que em partes eraõ de quatro cinco legoas, com hũs alfaques de coroas de area tão baixos q̃ não ouſauamos a velejar ſenão muyto de dia, & ſempre co prumo na mão, pelo q̃ ſe aſſentou q̃ antes q̃ ſe entendeſſe em outra couſa algũa, nos deſpejaſſemos de toda a fazenda que leuauamos, & por iſſo Antonio de Faria não cuy-

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