te affirmo que nenhum te ha de tratar
verdade em couſa que te diga, &
fiate de mim, porque ſou muyto rico,
& não te ey de mentir como homẽ
pobre. E aſsi te aconſelho que te vàs
por eſta enſeada dentro, & ſempre co
prumo na mão, porque tem muytos
baixos, & muyto perigoſos, ate hum
bom rio que ſe chama Tanauquir,
porque nelle tẽs bõ ſurgidouro em
que podes eſtar ſeguro & à tua vontade,
& em dous dias poderàs vender
toda eſſa fazenda que leuas, & outra
muyta mais ſe a tiueres, mas não te
aconſelho que a deſembarques em
terra, porque muytas vezes a viſta
caufa cubica, & a cubiça, deſmancho
na gente quieta, quanto mais na reuoltoſa
& de mà conſciencia, que tẽ
por natureza inclinarſe mais a tomar
o alheyo, que a dar do ſeu aos neceſfitados
pelo amor de Deos. Apos iſto
elle & os outros que trazia comſigo
ſe deſpidiraõ do Capitão & dos Portugueſes
com muytas palauras de cũprimentos,
de que commummente
não ſaõ nada auarentos, & a Antonio
de Faria em retorno do q̃ lhe tinha
dado, deu hũa boceta de tartaruga
pequena como hum ſaleiro, chea de
graõs de aljoſre, & doze perolas de
honeſta grandeza, dizendo que lhes
perdoaſſe por não ſazerem aly fazẽda
com elle, porque arreceauão que
os mataſſem por iſſo, conforme à riguroſa
ley da juſtiça daquella terra,
& que lhe rogaua que logo ſe foſſe,
antes que vieſſe o Mandarim da armada,
porque ſe aly o achaſſe, ſoubeſſe
certo que lhe auia de queimar
as embarcaçoẽs. Não quiz Antonio
de Faria engeitar o conſelho deſte
homem, & arreceando que pudeſſe
ſer verdade o q̃ lhe elle dizia, ſe fez logo
à vella, & paſſandoſe á outra coſta
da banda do Sul, em dous dias de
ventos oeſtes chegou ao rio de Tanauquir,
no qual ſurgio defronte de
hũa aldea pequena chamada Neytor.
Do que Antonio de Faria paſſou
neste rio de Tanauquir com hum
Coſſayro renegado por nome
Franciſco de Saa.
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NA boca deſte rio de Tanauquir
nos deixamos
eſtar ſurtos toda aquella
noite, com tenção
de tanto que foſſe menham
nos yrmos para a cidade, que
era daly cinco legoas, a ver ſe nella
por qualquer via de concerto podiamos
vender a fazenda q̃ leuauamos,
porque como era muyta, traziamos
as embarcaçoẽs tão carregadas, que
não auia dia que não deſſemos duas
tres vezes em ſeco nos baixos dos
parceis, que em partes eraõ de quatro
cinco legoas, com hũs alfaques de coroas
de area tão baixos q̃ não ouſauamos
a velejar ſenão muyto de dia,
& ſempre co prumo na mão, pelo q̃
ſe aſſentou q̃ antes q̃ ſe entendeſſe em
outra couſa algũa, nos deſpejaſſemos
de toda a fazenda que leuauamos, &
por iſſo Antonio de Faria não cuy-