Fernão Mendez Pinto. 54

ria, de que as doze forão falcoẽs, & camellos, com mais hũa eſpera de bronzo que tiraua pilouro de ferro coado, de que os inimigos ficaraõ taõ aſſombrados que por então não ſe ſouberaõ determinar em mais que ſò em largarem as amarras por mão para darem co junco á coſta, o que lhes não ſocedeo como elles cuydauão ou deſejauão, porque entendendo Antonio de Faria, o ſeu intento, lhe atalhou a elle com o abalroar pri meyro com toda a força dos juncos & lanteaas que leuaua comſigo, & trauandoſe neſta junta hũa fermoſa bri ga, de cutilladas dos que eſtauão perto, & arremeſſos de chuças, & de panellas de fogo dos que eſtauão longe, com mais de cem arcabuzes que tirauão continuamente, o negocio foy de maneyra que quaſi meya hora ſe não conheceo melhoria em nenhũa das partes, mas no fim della prouue a noſſo Senhor que os inimigos de muyto feridos & queimados ſe lançaraõ todos ao mar, com que os noſſos ficaraõ de todo deſafrontados, & com grandes gritas ſeguiraõ liuremẽte aquella boa vitoria. Antonio de Faria vendo que os inimigos ſe hião todos ao fundo por cauſa do eſcarceo & corrente da agoa que era muyto grande, ſe embarcou em dous baloẽs que mandou eſquipar com algũs ſoldados comſigo, & com a mayor preſſa que pode ſaluou hũs dezaſſeis que não quiz que morreſſem como os outros, pela neceſsidade que tinha de chuſma para as lanteaas, porq̃ nas brigas paſſadas lhe tinhão morto a mayor parte della.

CAP. LI.

Como Antonio de Faria ouue â mão viuo o coſſayro Captitão do junco & do que paſſou com elle.


AV ida eſta vitoria, da maneyra que tenho contado, ſe entendeo logo primeyro que tudo na cura de algũs q̃ ficarão feridos, por ſer negocio mais importante, apos iſſo, ſendo Antonio de Faria certificado que hum dos dezaſſeis que ſaluara, era o coſſayro, o mandou logo trazer perante ſy, & deſpois de o mandar curar de duas feridas que tinha lhe perguntou pelos moços dos Portugueſes, a que elle emperradamente reſpondeo que não ſabia & tornandoo a preguntar com ameaços, diſſe que lhe deſſem primeyro hũa pouca de agoa, porque ſe lhe tolhia a fala, trazia a agoa, a bebeo taõ apreſſadamente, que ſe lhe entornou quaſi toda, & porque não ficou ſatisfeito, tornou a pedir mais agoa, dizendo que ſe o fartaſſem bẽ della, prometia pela ley de Mafamede, & por todo ſeu alcorão de confeſfar tudo quanto quiſeſſem ſaber delle, & Antonio de Faria lha mandou trazer logo com hum fraſco de cinfeitos, de que elle não quiz comer, porem da agoa bebeo hũa grande quantidade, & tornandolhe a perguntar pelos moços Chriſtaõs, reſ-

pondeo