Disse a raposa, e a corte applaudiu-lhe o discurso.
Ninguem do tigre nem do urso,
Ninguem de outras iguaes senhorias do matto,
Inda entre os actos mais damninhos,
Ousava esmerilhar um acto;
E até os ultimos rafeiros,
Todos os bichos resingueiros,
Não eram, no entender geral, mais que uns santinhos.
Eis chega o burro:« — Tenho ideia que no prado
De um convento, indo eu a passar, e picado
Da occasião, da fome e do capim viçoso,
E póde ser que do tinhoso,
Um bocadinho lambisquei
Da plantação. Foi um abuso, isso é verdade.»
Mal o ouviu, a assembléa exclama: «Aqui d’el-rei!»
Um lobo, algo lettrado, arenga e persuade
Que era força immolar esse bicho nefando,
Empesteado autor de tal calamidade;
E o pecadilho foi julgado
Um attentado.
Pois comer erva alheia! ó crime abominando!
Era visto que só a morte
Poderia purgar um peccado tão duro.
E o burro foi ao reino escuro.
Segundo sejas tu miseravel ou forte
Aulicos te farão detestavel ou puro.
Página:Poesias Completas (Machado de Assis).pdf/349
