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notas
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EPISTOLA AO AUCTOR DA «PAVOROSA»


Sacrilego impostor, que renovando
Os antigos delirios da ignorancia,
Mil vezes felizmente refutados,
Pretende illudir a innocencia,
Fabricando um systema monstruoso,
Incrivel mesmo aos olhos da impiedade:
Quando a mão temeraria assim levantas
Contra o dogma fatal da eternidade,
Aviltando o teu ser, dize, profano,
Não te grita a razão — Suspende o braço?
Esse Deus, que confessas amoroso,
Deus de paz, pae dos homens, não flagello,
Com esses attributos desempenha
Com frouxa indifferença submergindo
No embrião do nada aquelles entes
Em que quiz esculpir a sua imagem"?
Onde estará o amor, onde a ternura
D′esse Ente nosso pae? Em ter creado
De motu proprio uns miseraveis entes,
Que depois de passarem opprimidos
Sobre este globo cheio de trabalhos.
Devem ser outra vez depois da morte
Reduzidos ao nada? Dize, infame,
O que val a virtude, essa virtude
Á custa de mil lagrimas comprada.
Se a alma não passa além da sepultura,