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portuguezes daquella epocha. Depois, como já n'outro escripto notámos, para que fingir a existencia de um codice, cuja subscripção confrontada com passagens do texto, mostra que já era uma copia, quando o inventor podia imaginar um original, o que daria maior valor ao proprio traslado? Falsarios que voluntariamente diminuam a auctoridade dos documentos que forjam serão difficeis de encontrar. A mesma circunstancia de se não divulgar o Livro Velho logo depois do seu apparecimento, sendo raríssimos os traslados delle até que Sousa o imprimiu, enfraquece as suspeitas de que fosse um invento de Lousada, o qual nenhuma diligencia parece ter feito para o tornar conhecido. Não succedia o mesmo com as outras invenções delle e dos seus consocios. O ter sido desconhecido por Damião de Goes, circunstancia digna de reparo considerada em si, diminue muito de valor se nos lembrarmos da desordem em que estava e esteve por longo tempo a Torre do Tombo e a facilidade com que d'alli saíam documentos, que muitas vezes não voltavam, ou voltavam depois de dilatada ausencia[1]. O apparecimento do Livro das Leis e Posturas nos começos do seculo XVII, sepultado nos subterraneos da Torre entre lixo e capas velhas, e desconhecido por largos annos, mostra bem a possibilidade de ter acontecido o mesmo com o Livro Velho, monumento de muito menor importancia, e até materialmente de muito menor vulto. O nobiliário de Damião de Goes dá-nos a certeza de que no tempo deste ainda existiam no Archivo dous livros diversos de Linhagens, e todavia o seu immediato antecessor Fernão de Pina apenas cita o codice hoje alli existente, como adiante veremos, mostrando assim que, apesar de não ter frequentado o Archivo menos que Damião de Goes, não conhecera senão um dos que este nos assegura existirem alli no seu tempo.

Acabam de desvanecer-se, porém, todas as suspeitas contra o Livro Velho, se attendermos a certos factos até aqui não advertidos. Ha acaso certeza de que o original do Livro Velho estivesse na Torre quando Lousada o copiou? Os dous Brandões o que affirmam é que elle ahi estivera[2]; e da Advertência de Affonso de Torres, cuja copia, feita sobre a de Lousada, serviu de texto á edição de Sousa, nenhuma outra cousa se pode inferir. Mais: se attendermos ao que diz o mesmo Sousa[3] referindo-se ás noticias deixadas por Lousada no seu livro manuscripto Illustração da Casa de Sousa, acharemos positivamente que não foi na Torre que elle transcreveu o codice antigo. Segundo affirma Sousa este faltava do Archivo desde as alterações do reino. Esta phrase ou se hade referir a 1580 ou a 1640, unicas epochas de alterações que então houve; mas a 1640 é impossível applica-la, porque Fr. Antonio Brandão, que escrevia quinze annos antes, já o dava por distrahido do Archivo, bem como Affonso de Torres, que o transcrevia da copia de Lousada em 1634. A conclusão é que elle andava alheado da Torre do Tombo desde as ultimas duas decadas do seculo XVI; que Lousada entrando naquelle archivo só em 1612, não podia tê-lo alli encontrado, e que, embora fosse escrivão da Torre, copiou esse monumento n'outra parte.

Se dermos credito a Sousa, no prologo da sua edição do Livro Velho, das palavras do proprio Lousada na obra Illustração da Casa de Sousa se colligia que elle não ignorava onde o antigo codice, furtado da Torre, se achava, e que fôra principalmente por causa deste que sollicitara uma carta d'excommunhão contra os que haviam tirado e não restituido livros e documentos do Archivo publico[4]. D'aqui se vê o pouco fundamento com que tem sido acceito como facto, que o antigo codice fôra distrahido depois de transcripto por Lousada.

Preparando a sua edição do Nobiliário, João Baptista Lavanha poz á margem de diversos títulos as variantes historicas relativas a diversas linhagens, que se achavam n'um manuscripto a que elle chama Livro Antigo. No prologo dirigido em 1622 a D. Manuel de Moura marquez de Castel-Rodrigo e conde de Lumiares, diz que tirou essas variantes «de um Nobiliário antiguo de V. Ex.cia, que se presume ser o verdadeiro do conde D. Pedro, e o que

  1. Ribeiro, Memor. do R. Arch. passim.
  2. Mon. Lusit., P. III, l. 8, c. 31, e P. V, l. 17, c. 5.
  3. Hist. Genealog. Prov. T. I, p. 142 e seg.
  4. Effectivamente existe a carta de excommunhão, expedida pelo vice-collector apostolico a instancias de Lousada, datada de 14 de outubro de 1621. Ahi se mencionam as causas desses extravios, e entre outras as alterações que se seguiram por morte do cardeal rei. Foi impressa em Lisboa por Craesbeck em 1622. Ribeiro, Memor. do R. Arch. p. 33.