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que vinham de ordinario debater-se a final na curia do rei, reduziam-se a provar, que a pessoa ou pessoas de que se tractava pertenciam ou não a tal ou tal familia. Para os resolver não havia outro meio senão o da prova ordinaria, o inquerito, ou um registo publico da aristocracia, á vista do qual elles se houvessem facilmente de decidir, como á vista dos registos dos bens do rei e da corôa se resolviam promptamente as questões de propriedade, e ainda as de privilegio. Daqui a probabilidade da sua existencia.»

«Outra instituição daquelles tempos contribuía ainda para se julgar necessaria a composição de um nobiliario official. A propriedade interessava nelle por diverso modo. A lei da avoenga, ou do retracto, dava a preferencia aos parentes para haverem, tanto por tanto, os bens que se vendiam pertencentes a qualquer individuo da sua linhagem. Sobre esta materia parece occorriam duvidas frequentes, e muitos monumentos nos restam por onde se conhece quão respeitada era semelhante lei. É claro que um registo da nobreza devia facilitar o seu cumprimento, e nessa conveniencia achamos mais uma probabilidade para o suppormos existente desde o principio da Monarchia.»

«Accrescente-se a estas razões a importancia que a fidalguia ligava então como hoje ao grande numero de antepassados, os direitos sobre honras e coutos, o espirito de familia, que nesses tempos reinava nas dissenções e guerras entre os grandes; e as suspeitas de que as averiguações genealogicas não deviam começar no século XIV, em que floresceu o Conde de Barcellos, se converterão quasi em certeza.»

Resume-se a nossa opinião em que os Livros de Linhagens anteriores ao século XVI são apenas expressões diversas da transformação gradual de um registo primitivo da aristocracia, transformação que em parte se tornava indispensavel pelo desenvolvimento e multiplicação das gerações, e em parte devia provir da influencia de individuos e de familias poderosas que buscariam, com razão ou sem ella, alterar as tradições da propria origem, quando isso servisse a interesses materiaes ou a vaidades e emulações nobiliarias.

Existem hoje quatro Livros de Linhagens anteriores ao século XVI. São elles:

I, O que propriamente é chamado Livro Velho publicado no tomo i das Provas da Historia Genealogica, pag. 145[1];

II, O fragmento, proximamente da epocha do antecedente, que se acha impresso depois daquelle no mesmo volume das Provas e que se inclue na mesma denominação de Livro Velho;

III, Um fragmento de nobiliario ainda inedito, que anda juncto ao manuscripto do Cancioneiro denominado do Collegio dos Nobres, na Bibliotheca Real;

IV, O Livro das Linhagens attribuído ao Conde D. Pedro, que se conserva manuscripto no Archivo Nacional da Torre do Tombo.

O codice que subministrou as copias dos N.os I e II existia antigamente, segundo se affirma, na Torre do Tombo. Attribue-se a Gaspar Alvares Lousada, escrivão daquelle archivo, a revelação da sua existência. Uma copia tirada em 1634 por Affonso de Torres de outra feita pelo proprio Lousada e conservada na livraria dos marquezes d'Abrantes, veio a servir de texto para a edição deste nobiliario dado á luz um seculo depois pelo auctor da Historia Genealogica. Outra copia existia na livraria dos carmelitas descalços que se ignora se era tirada do transumpto de Lousada se do original. Ha quem repute a segunda hypothese mais provavel, visto não se acharem nella as notas marginaes que Lousada ou Torres ajunctaram aos seus traslados. As variantes da cópia dos carmelitas aproveitou-as Sousa para a sua edição. Depois de transcripto, o codice desappareceu, e nunca mais foi possível encontra-lo.

O Livro Velho das Linhagens, se attendermos ao modo por que chegou até nós, labora em grande suspeição. «Foi - dissemos nós n'outra parte[2] - o escrivão do Archivo, Gaspar Alvares Lousada, quem tirou a copia dos dous nobiliarios, os quaes considerou como um só por se

  1. Este livro e o subsequente fragmento foram tirados á parte com rosto e numeração proprios n'um volume em folio de 76 paginas e índices, em 1737
  2. Memoria anteriormente citada