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VIDA OCIOSA

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— O de casa!

Respondeu-me de dentro uma voz de velha:

— Quem está dando "ô de casa" póde entrar, que d'esta vez não me assusta!

Ouvi no mesmo instante vindo da cozinha, o arrastar conhecido das chinellas de siá Marciana, e a voz do velho Prospero, já um tanto surdo, que lhe perguntava o que succedia de anormal áquella hora tão matutina.

—E' o tropeiro de fala grossa que me assustou o outro dia, explicou ella.

Penetrando a sala de entrada, depuz o chapéo sobre uma mesa negra de uso, chata e 1arga, d'esse estylo esparramado dos antigos estrados e arcas de guardar sementes. Relanceei as paredes fuliginosas, cobertas de desenhos de grandes peixes: dourados ao natural, piabas de tres palmos, mandys gigantes ainda com os ferrões alvoroçados e as barbatanas em leque, promptos para a defesa — registro fiel das felicidades de pesca do velho Prospero, que o Americo, amador assim de sciencias numerosas varias, perpetuara sobre a cal a urucú e pó de sapateiro, como o chronista fiel das antigas expedições de descobertas. Cada peixe grande que subia do rio, antes de ir para a panella fazia escala ante o artista primitivo, que lhe debuxava a effigie na parede.

Abracei os velhos que tropegamente vieram ao meu encontro.

— Então, como vamos de doenças? perguntei-lhes, encetando o assumpto obrigatorio á chegada, questão preliminar, como dizemos em nossa gyria forense (não sei se já disse que sou bacharel, e juiz municipal de um termo sertanejo).

— Ah, dr. Felix! Andamos cheios de "não presta!" exclamou a mulher. Vamos pendendo de velhice. Minhas carnes estão seccando, meu corpo é só osso. Tambem já estou uma irára velha — accrescentou mostrando os cabellos encanecidos.

Para despreoccupal-a, disse Prospero que aquillo não era nada. A "prima" sempre teve d'essas alternativas de engordar e emmagrecer d'um momento para outro.