Seja-me permittido escrever algumas linhas preliminares, não em favor da obra, pois como disse Madame de Stael, « um livro de- fende-se a si mesmo », nem para expender difficuldades insepara- veis de um ensaio em genero tão escabroso de litteratura, mas para manifestar o pensamento capital que presidio á confecção d'este drama.

Em principios do anno de 1859, o Conservatorio Dramatico Pau- listano, tentando pôr em pratica uma idéa cheia de patriotismo, abrio um concurso litterario, destinando premios para o melhor drama original, revestido de moralidade, que tivesse por assumpto algum dos gloriosos episodios da historia de nossos pais. Apezar de minha fraqueza e obscuridade, propuz-me a entrar na liça, satis- feito de antemão com a idéa de ser vencido por engenhos nasci- dos no mesmo berço. Lançando um ligeiro olhar sobre o nosso passado, descubri sem grande custo o assumpto que desejava. E' com razão que Charles Ribeyrolles disse que a nossa historia tinha uma pagina, a da Independencia ; e eu já pensava assim antes do ta- lentoso proscripto francez. Sim, é do Ypiranga que data a nossa vida real ; nunca se poderá chamar dia ao espaço que precede a aurora. Este assumpto porém, tão bello e tão nacional, traz com- sigo graves inconvenientes. O Illustrissimo Senhor Doutor Paulo Antonio do Valle ennumerou-os todos em uma carta, publicada por esse mesmo tempo, e assignalou os perigos a que se expunha o escriptor incauto que ousasse apresentar na scena os vultos veneraveis e ainda palpitantes dos Andradas e do primeiro imperador. Concordando plenamente com a opinião desse illustrado Paulista, auctoridade em semelhantes materias, pareceu-me entretanto que a pintura fiel da épocha, afas- tadas as personagens principaes, teria ainda encanto bastante para prender os espectadores.

Achada a moldura, faltava delinear o quadro.

Todos sabem de que elementos heterogeneos se compõe a população brasileira, e os riscos imminentes que presagia essa falta de uni- dade. Não é sómente a differença do homem livre para o escravo ; são as tres raças humanas que crescem no mesmo solo, simultanea- mente e quasi sem se confundirem ; são tres columnas symbolicas