— Vou, e vou sim!... Que bobagem .!... Quer matar o pequeno, não é? Pois sim... Está-se "ninando"...

— O que é que você disse, hein?

— É isso mesmo: vou e vou!

— Atrevida .

— Atrevida é você, sua... Pensa que não sei...

Em seguida as duas mulheres se puseram caladas durante um instante: a patroa - uma alta senhora, ainda moça, de uma beleza suave e marmórea - com os lábios finos muito descorados e entreabertos, deixando ver os dentes aperolados, muito iguais, cerrados de cólera; a criada agitada, transformada, com faiscações desusadas nos olhos pardos e tristes. A patroa não se demorou assim muito tempo. Violentamente contraída naquele segundo a sua fisionomia repentinamente se abriu num choro convulsivo.

A injúria da criada, decepções matrimoniais, amarguras do seu ideal amoroso, fatalidades de temperamento, todo aquele obscuro drama de sua alma, feito de uma porção de coisas que não chegava bem a colher, mas nas malhas das quais se sentia presa e sacudida, subiu-lhe de repente à consciência, e ela chorou.

Na sua simplicidade popular, a criada também se pôs a chorar, enternecida pelo sofrimento que ela mesma provocara na ama.

E ambas, pelo fim dessa transfiguração inopinada, entreolharam-se surpreendidas, pensando que se acabavam de conhecer naquele instante, tendo até ali vagas notícias uma da outra, como se vivessem longe, tão longe, que só agora haviam distinguido bem nitidamente o tom de voz próprio a cada uma delas.

No entendimento peculiar de uma e de outra, sentiram-se irmãs na desoladora mesquinhez da nossa natureza e iguais, como frágeis conseqüências de um misterioso encadear de acontecimentos, cuja ligação e fim lhes escapavam completamente, inteiramente...