— Despe-te!
Aquela impaciência agradava-lhe e ela quis saboreá-la mais. Levantou-se sem pressa, começou a desabotoar-se devagar, parou e disse com meiguice:
— Trago-te uma coisa.
— Que é? fez ele logo.
— Adivinha!
— Dize lá de uma vez.
Lola procurou a bolsa, abriu-a devagar e de lá retirou a cigarreira. Foi até ao leito e entregou-a ao chauffeur. Os olhos do homem incendiaram-se de cupidez; e os da mulher, ao vê-lo satisfeito, ficaram úmidos de contentamento.
Continuou a despir-se e, enquanto isso, ele não deixava de apalpar, de abrir e fechar a cigarreira que recebera. Descalçava os sapatos quando o José lhe perguntou com a sua voz dura e imperiosa:
—Tens passeado muito no "Pope" ?
— Deves saber que não. Não o tenho mandado buscar, e tu sabes que só saio no "teu".
— Não estou mais nele.
— Como?
— Saí da casa... Ando agora num táxi.
Quando o chauffeur lhe disse isso, Lola quase desmaiou; a sensação que teve foi de receber uma pancada na cabeça.
Pois então, aquele deus, aquele dominador, aquele supremo indivíduo descera a guiar um táxi sujo, chocalhante, mal pintado, desses que parecem feitos de folha-de-flandres! Então ele? Então... E aquela abundante beleza do automóvel de luxo que tão alta ela via nele, em um instante, em um segundo, de todo se esvaiu. Havia internamente. entre as duas imagens, um nexo que lhe parecia indissolúvel, e o brusco rompimento perturbou-lhe completamente a representação mental e emocional daquele homem.