havia três anos, sem saudades que o pungissem, nem terrores que o arrepiassem, seguro naquelas bravias serras, como um rei no seu palácio.
Oh! sem dúvida, o olhar de Deus estava sobre ele, e todo o envolvia no seu esplendor sublime; e o Demónio e o seu sopro mundanal não podiam transpor, nem sequer roçar aquela Graça que o defendia.
Ora uma noite que ele assim pensava, sentiu como o deslumbramento de uma claridade – e erguendo os olhos, viu, entre a treva rasgada como um pano, uma vaga nuvem refulgente, de onde Jesus, debruçado, com a sua cruz entre os braços, espreitava para baixo, para a terra do Egipto.
E, oh dor! não era para ele, único e tão visível, naquela grande solidão, que se voltava e sorria a face do Crucificado – mas para além, para o lado das cidades, para uma multidão que se agitava, miúda, e escura, e ínfima, como um formigueiro, entre searas e muros!
Atirou os braços ao céu, gritou desesperadamente:
– Oh meu Senhor, estou aqui, teu servo no teu Deserto!
Mas, entre as sombrias cortinas que se cerravam, a face do Senhor desapareceu, desatenta, como se para ele não houvesse nem servo, nem deserto! E tudo recaiu em mudez e treva.